Sábado
Noite de sábado em São Paulo.
Saí apenas com um objetivo. Todo mundo tem um objetivo ao sair numa noite de sábado em São Paulo. Alguns beiram a morte. Às vezes eu quero morrer em São Paulo. Encontrei algumas pessoas, bebi, ouvimos uma senhora nortista cantar no Largo da Batata. Os velhos frequentadores da praça, jogados de lado pela multidão de jovens, dançavam e sorriam bocas banguelas. Depois, segui pela Teodoro Sampaio, vazia, os comércios todos fechados, os postes de iluminação em sua maioria apagados.
Você passou por ali fazia pouco.
Uns adolescentes brancos iam à frente, carregavam garrafas de bebida e sprays de tinta. Pichavam os muros que ainda tinham espaços em branco. Quando passávamos pelos muros recém pichados, as letras tortas sussurravam os segredos da cidade.
Soube que você estava lá mais adiante.
Entre os meninos e nós havia uma bolsa jogada no meio do caminho. Quando passamos por ela, sentimos o ar quente de uma respiração ofegante saindo pela abertura violada. O susto do assalto recente nos encheu de pressa.
E soube que naquela noite havia o perigo. Chegamos à praça da Belmiro Braga e entramos num cubículo, pagando alguns reais, e lá dentro se dançava um samba lento e triste. O samba de São Paulo é lento e triste. Quis sair de lá, tinha que sair de lá. Disse que me olhavam e que me sentia acuada; saímos. Quis entrar em outro cubículo, mas a polícia apareceu, em quatro viaturas. Quase atropelaram a pequena multidão de pessoas que procuravam sem parar, como eu, o quê?, e ordenou que todos os cubículos ao redor da praça fossem fechados. Ali devia haver o perigo, já que empunhavam armas contra os ébrios que antes apenas gritavam sonhos desconexos, como eu. O psiu de São Paulo não se faz com um dedo em riste, tocando levemente a boca, mas com um cano de metal apontando pólvora para o seu coração. Regionalismos.
Meus olhos gritaram para você não os enfrentar, por favor.
Continuei gritando por você, calada, e convencendo os meus acompanhantes a caminhar ainda mais. E andamos umas tantas quadras. Os expulsos dos cubículos noturnos ou se dispersavam pelas ruas escuras ou se espremiam nos bares sujos que ainda estavam abertos e que desafiavam a lei do sossego, da noite de sono, dos planejamentos, dos feedbacks positivos, da superação de metas, da paz interior. Entrei em todos os bares, já estava histérica, meus olhos caídos ainda berravam, e tentavam te encontrar porque o que eu fiz a noite inteira não foi outra coisa senão te perseguir. Queria te encontrar em algum canto daquele bairro onde vi, numa outra noite, aquela cartunista caminhando bêbada, tropeçando nos saltos. Nunca usei salto, por que ela os escolheu? Ela é tão linda, vi os traços dos pincéis desenhando os passos de bêbada equilibrista dela. Mas perdi o traço do seu caminhar. Perdi o rastro do seu cheiro de álcool em algum lugar lá pelo bairro de Pinheiros. Não sei se enquanto ouvia as pichações sussurrantes – talvez elas mentissem – ou quando a polícia me ameaçava matar sonhos.
Hoje ouço o Itamar Assumpção, sofro a ressaca da noite anterior e falto ao domingo dessa que me ensinou a perseguir, minha São Paulo particular.