Não rotina
Era mais um fim de tarde em mais alguma cidade qualquer do mundo. Ela percorria a rua sem pressa, um caminho diferente e familiar. Uma rua larga com seus carros, motos e pessoas correndo no vazio. De onde vinham? Para onde iam? De quem fugiam?
Todas as cidades são iguais em suas diferenças.
Ela olhava diretamente naqueles rostos que passavam e que desviavam o olhar dessa estranha estrangeira. Estava marcado em sua pele, na cor de seus olhos que ela não pertencia àquele lugar e, ainda assim, ela atravessava as esquinas como se soubesse aonde ia.
Ela caminhava pelo parque de árvores não planejadas, tomando no gargalo uma bebida qualquer, amassando as folhas com os pés em um ensolarado dia frio. Sentava-se e acompanhava melancolicamente os esquilos escalando e as crianças jogando futebol ao entardecer.
Ela andava por penhascos de um país construído em pedras calcárias, de vestido florido no calor sufocante, dourada pelo sol na cor de seus ancestrais, ouvindo o mar rugindo em violência e sentindo o cheiro de sal.
Levantava de madrugada no trem atravessando fusos horários, com sua caneca e o saquinho de chá, entre pessoas dormindo um sono entrecortado, para observar o negrume impenetrável do lado de fora da janela.
Ela caminhava longas horas entre bosques de parreiras secas tão concentrada em colocar um pé diante do outro, tentando gravar cada nuance do percurso que se esquecia de pensar, reparando tempos depois que pela primeira vez meditou no silêncio do Camino.
Era ela quem fazia os próprios passos entre arranhas-céus e muralhas, entre o passado esquecido e o futuro histórico.
Ela era quem escolhia quem ser em cada canto, ora a garota tagarela no balcão do bar, fazendo amizade com o garçom, ora sentada quieta no alto da montanha aos pés de Budha, rechaçando toda e qualquer companhia mesmo estando cercada de pessoas com boas intenções.
A solidão lhe deu escolhas. O desprendimento lhe deu escolhas. O desconhecido lhe deu escolhas. O medo lhe deu escolhas.
Depois de tantas coisas, tantos cantos, tantos contos ela soube que em seu caso ir não era uma opção. Ir era condição primordial. Era o movimento que lhe sustentava, tão essencial quanto o próprio ar que respirava.
E, como só a distância e o tempo podem demonstrar, descobriu que caminhar mais uma vez pelo viaduto tão conhecido não é de fato um retorno ao princípio. É, tão somente, mais um movimento.
Não é nada mais do que a continuação do próprio caminho.