Casa das Palavras
Lá se vão elas fugindo. As palavras sempre fogem. E vão para a Casa das Palavras, um casarão antigo com muitas quartos, salas, banheiros. É até divertido por lá, quase um paraíso. Como o dos isqueiros, guarda-chuvas e entregadores de pizza bonitos.
Cada classe gramatical tem uma sala. A dos verbos é enorme, com várias estantes e escadas, superlotada de verbos que não se entendem e não se conjugam. Os artigos ficam na dispensa. Os substantivos ficam num quarto grande e confortável, sentindo-se os reis do pedaço. As acentos vagam pelas escadas. Os adjetivos se acham os melhores, afinal, sem eles para que servem os substantivos? Nomes sem qualificações são um desperdício.
Numerais são simpáticos e prestativos. Os pronomes são arrogantes: “servimos para situar o substantivo no tempo e no espaço” e habitam a sala de estar. Os advérbios tentam diminuir (ou aumentar) a confusão verbal e por isso dormem no quarto ao lado dos verbos, de conchinha com as locuções adverbiais.
Apesar de toda essa divisão na Casa, algumas palavras são simplesmente insubordináveis e passeiam com graça pelos quartos e salas. Talvez por acharem que seus significados assim o permitem. Outras, pelo mesmo motivo, brincam de esconde-esconde. Vejam só a sabedoria, a coitada está sempre se escondendo de tudo e de todos. Dizem as más línguas que foi por a terem utilizado mal e causado o maior estrago no mundo. A paz tenta estar em todos os lugares, mas não tem um plano de negócios e por isso não tem sido muito bem sucedida.
O amor é malandro, sempre aparece na hora e lugares errados e quando você se acostuma, finalmente, com sua presença vai embora sem se despedir. Há quem o chame de ingrato. A luxúria é como uma ruiva metida à besta que aparece para poucos felizardos e que, um dia, se casou com o amor. Infelizmente, eles se divorciaram por incompatibilidade de gênios.
Obsta é ambígua, pois apesar de parecer complexa é simples em seu significado. Cachorro-quente é o mascote da Casa. Ping-Pong pula mais do que bola. Espadaúdo e gracejos são dois velhos que ficam na varanda, fumando cigarros e discutindo política enquanto fingem jogar xadrez.
E assim, nesta confusão alegre, vivem todas as palavras que fogem quando você está no meio de uma frase. E você pode até tentar ir à Casa das Palavras buscá-las, mas, dependendo de quem você é pode se sentir tentado a ficar por lá, encantado com esse universo paralelo, cheio de significados ocultos e brincadeiras do português.