A escada
— Ou você desce os degraus ou pula de uma vez.
Mesmo que eu quisesse, desesperadamente, negociar aquela situação, sabia que não ia dar. Eu já estava no ponto mais alto, colado naquela parede lisa que acabava onde começava o vão da escada. De resto, escuridão. Só tinha certeza da existência dos primeiros degraus por causa da vela que tremia comigo.
Dava pra ouvir o eco da minha respiração, descendo em círculos até sei lá onde. E era isso que me garantia que eu estava sozinho, que aquela voz me mandando descer não vinha de ninguém ali perto. Era dura e monótona, como se o que a produzia nem respirasse. Parecia estar perto demais para interagir com o ar e as paredes. Perto demais de mim.
— Você não tem todo o tempo do mundo.
Eu soluçava, sem saber o que fazia primeiro. Tentei desviar o olhar dos degraus, mas a escuridão que tingia ao redor era sufocante. A cera da vela já nem pingava na minha mão, sacudida direto para o chão por causa da tremedeira. Quis experimentar um passo ao lado, mas meu pé parecia ancorado em chumbo. E se…
— Nem pense nisso.
Eu tinha que descer.
Troquei a vela de mão, como que para romper com a paralisia, e consegui levantar o pé esquerdo. O primeiro degrau o recebeu sem cerimônia. Mais sólido do que minha perna parecia esperar, mas não tão frio. A posição em que fiquei foi meio torta, o que me obrigou a dar o próximo passo para que a corrigisse antes de perder o equilíbrio. O terceiro degrau, de certa forma, ainda era novidade entre os pés, mas no quarto o movimento já era contínuo. Eu não mais descia os degraus, descia a escada.
Para cima e para baixo, a vela me seguia com esforço. Repetia cada passo tremendo em meu lugar, seu suor marcando os degraus que ficavam para trás. Quis confortá-la melhor em minha mão, impedir que sentisse o peso daquela descida. Eu sabia — só eu sabia — o que a escuridão causa na nuca, nas mãos, o que consegue fazer com o nosso nome. Sabia o que era a sensação de estar ali apenas como contraste. Mesmo assim, não pude quebrar a concentração que mantinha em minhas pernas. Moviam-se já quase em marcha, os passos firmes contra o escuro. Um instante a mais em um degrau e o calafrio retomaria o controle, me paralisaria naquela garganta espiral, e você não tem todo o tempo do mundo. Tínhamos que continuar descendo.
— Ela vai acabar antes, você sabe.
Eu não quis ouvir, mas precisei usar a segunda mão para não deixar a vela escapar com o meu arrepio. Ela derretia aos poucos, preocupada em conter-se o máximo de tempo possível, mas não havia sinal algum que indicasse o fim da escada. Uma brisa, um ruído, nada. A chama, frágil, encolheu como se também notasse o inevitável, quase que tentando se preservar. Enquanto isso os degraus continuavam firmes, indiferentes, respondendo secos à marcha que me custava uma resiliência que eu não tinha.
Até quando? A vela não existiria para sempre, mas eu também não. Assim como a cera se consumia em torno do pavio, eu me desgastava à borda do abismo, cada passo abaixo uma gota a menos, um segundo a menos. A cada degrau vencido, menores ficávamos para o próximo. Em algum momento haveria mais de nós ao longo da escada do que em nós mesmos. Então, como o final do pavio que não aguenta o próprio peso e cai na cera quente, apagando-se naquilo que já o havia sustentado, eu esfriaria e desapareceria na escuridão, parte dos degraus que desci e dos que nunca alcancei. Qual seria a diferença? Como eu poderia saber se, naquele momento, meus pés não pisavam no que foram outras velas? Tudo o que havia era a escada.
Não. Ainda não. Eu estava lá, descendo degrau por degrau sob a luz da vela, que se mantinha em minhas mãos. Eu tremulava, ela suava, mas continuávamos descendo.
— Que comovente.
Não havia por que acelerar o passo, tampouco por que reduzi-lo. Falasse o que falasse, aquela voz não tinha pernas ou braços, não tinha como participar da descida. A escuridão era a mesma, a escada era a mesma, apenas eu e a vela agíamos. O tempo nos afetava, tínhamos movimento. Eu tremulava, ela suava, continuávamos descendo.
Pude ouvir uma risada, mas era a minha. Bateu em alguns degraus ainda intocados e circundou pelas paredes, levando uma pequena fração de mim consigo. A vela concordou, seu brilho mais quente em minha pele, ainda que já alcançasse a metade do seu comprimento. Cada passo uma gota, mas os degraus já não pareciam tão largos. Respondiam aos meus pés com certa inconsistência, como se quase perdessem a concentração enquanto esperavam em fila, ansiosos. Eu e a vela mantínhamos o mesmo ritmo, um só corpo em marcha. A cera escorrida em minha mão secava e tornava a derreter, inevitável, até que já não só uma gota. Meu passo agora valia duas, três, faltava espaço nos degraus.
—
Pouco importava. Que a voz dissesse o mais horrível que pudesse, nós descíamos. A espiral éramos nós em movimento, e à escada restava contemplar a nossa marcha. Sangrando em minha mão, a vela era cada vez menor, mas sua chama brilhava mais. As paredes, menos escuras, pouco a pouco pareciam apenas um amontoado de tijolos, um a um como os degraus que vencíamos, quase moles, não suportando o peso de tanta cera em um só passo. E a vela ria, a ponto de vibrar o pavio. Eu ri com ela, mesmo sem fôlego. Mesmo que o peso das gotas fosse grande até para mim, mesmo que ao final da risada já não houvesse vela e o som dos passos ficasse mais seco sem o eco ao nosso redor. Ao meu redor.
Continuei andando, mas já não descia. Os degraus se achatavam em um só plano sob os meus passos, como os tijolos tinham sido parede, como as gotas já tinham sido vela. Continuei andando, mas já não havia vela, já não havia paredes, já não havia degraus. A escada se desmanchara a cada passo, agora parte de mim.
Texto enviado por Clélio Souza de Melo.