#VaiPraCuba: Playa Girón e o Episódio da Baía dos Porcos
Quarto texto da série #VaiPraCuba, um diário de viagem de Shaula Chuery que aceitou o desafio da direita brasileira que ama proclamar “Vai Pra Cuba sua Esquerdista” e durante um mês nos enviará suas impressões da Joia do Caribe.
Tenho que admitir que fui para Playa Girón somente por interesse histórico-social, afinal a vitória cubana na Baía dos Porcos povoa o imaginário de toda a esquerda latino-americana.
Cheguei sem lugar para ficar, curtindo a ideia de procurar uma casa quando chegasse. Desci do ônibus, como é de se esperar, havia uma porção de pessoas oferecendo taxis e hospedagem. Desviei de todos e fui caminhando quando um taxista se aproximou perguntando se eu sabia onde ia e se queria um taxi. Disse que estava bem e que iria continuar a procurar um quarto. Ele voltou com um rapaz de bicicleta que disse que tinha um hostal que fazia por 15 CuC. Reclamei que estava caro e que pagaria 10 Cuc, ele pensou e disse que podia perguntar para o pai se poderia fazer 15 CuC, mas com café da manhã incluso. Com aprovação do pai, seguimos para o hostal e ele disse que os 3 CuC que seriam do bici-taxi era por conta do hostal. Perguntei se era longe, ele foi sincero e disse que era um pouco, mas que eles forneciam transporte até o centro até porque a cidade tem basicamente duas ruas e o meio de locomoção oficial é a charrete.
Chegando ao hostal me apresentou seus pais e disse que às 16h daquele dia iria com duas coreanas que estavam lá para Caleta Buena, que o preço do passeio era 2 CuC e poderia me alugar a máscara de snorkeling por 1 CuC, caso eu quisesse. Também ofereceu o jantar completo por 6 CuC em que poderia escolher desde frango à caranguejo, o qual aceitei.
Devidamente instalada, peguei carona para o centro e combinamos que eles passariam para me buscar às 16h30 na praia para irmos à Caleta Buena. Fiz as burocracias de sempre como trocar dinheiro e dar sinal de vida e fui para o Museo de Girón que era meu principal interesse até então. Este museu apesar de pequeno é bem interessante e reconstrói a história da Baía dos Porcos de maneira exemplar.
Para você que colou na escola (mentira, isso não contam na escola. Pra vocês verem como a doutrinação da esquerda anda bem meia boca) o ataque à Baía dos Porcos foi uma tentativa frustrada de contrarrevolução. Com o sucesso da deposição de Batista em 1959 há todo um processo de mudança social em Cuba com a reforma agrária e urbana, estatização de empresas estrangeiras, criação de cooperativas, agressiva campanha de alfabetização, etc.
Os EUA no momento em que se viu perdendo seu “quintal” onde mandava e desmandava, buscou a todo custo refrear a Revolução Cubana. Entre as ações tomadas estão o treinamento pela CIA de dissidentes cubanos emigrados para os EUA para tentarem retomar o poder. A composição desses mercenários como os chamam os cubanos (e não sem razão) era de burgueses industriais e agrários, donos de imensas terras, canaviais e minas, banqueiros, militares que compunham o governo de Batista, entre outros da mesma linha, ou seja, pessoas que na Revolução perderam seu poderio econômico e político. Estes homens, depois do gentil treinamento oferecido pelos ianques, fizeram parte de um teatro armado para que parecesse um levante interno contra a Revolução e, dessa forma, retomar o poder.
Em aviões estadunidenses em que estava estampada a bandeira cubana, os mercenários iniciaram os ataques em 15 de abril de 1961 bombardeando pontos simultâneos em Havana, Santiago de Cuba e San Antonio de los Baños com a intenção de destruir a frota aérea cubana ainda no chão, o que gerou um protesto formal do governo de Cuba em uma reunião da ONU exigindo um posicionamento deste órgão internacional frente à evidente violação da soberania de um Estado. A resposta estadunidense foi uma linda desculpa esfarrapada dizendo que não tinham nada a ver com esses ataques e que eles eram obra do próprio exército cubano que se rebelava contra seu Comandante em Chefe.
Felizmente, Fidel como bom estrategista que era, havia realocado sua frota poucos dias antes e os ataques foram repelidos. Os bombardeios continuaram, assim como o plano de atacar a Baía dos Porcos com a ideia de declarar território independente e então intervir em Cuba, mas o que os EUA não contavam era com a firmeza do povo cubano de pegar em armas e morrer se fosse preciso para proteger aquilo que haviam conquistado em 2 anos de Revolução.
Se tem uma coisa que os EUA não conseguem entender é que quando um povo luta para defender aquilo que acredita ser correto, com fé inabalável, este povo se torna gigante. Não importa quantas armas possua ou quão poderoso é o exército inimigo, o povo é invencível ao ser incansável em seu propósito. Foi assim contra os cubanos e foi assim contra os vietnamitas e, hoje, sabemos quem saiu vitorioso. Dessa forma, em uma moderna representação da luta entre Davi e Golias, durante 3 dias a milícia cubana e os mercenários se enfrentaram e a vitória cubana foi o marco decisivo da Revolução e a prova cabal de que não havia nenhuma contrarrevolução interna e que o povo cubano seguiria seu Comandante el Chefe Fidel Castro Ruz sob quaisquer circunstância. E por essa agressão os EUA, pela primeira vez, foram condenados a pagar uma indenização que veio em forma de medicamentos e insumos básicos que representaram grande ajuda à continuidade dos avanços alcançados.
Saindo da parte “nossa, mas você ia escrever sobre turismo, mas só fica dando aula de história”, voltemos aos encantos de Playa Girón. Perto do museu fica o único hotel da cidade e através dele se chega à praia que dá nome à cidade. Essa praia tem uma especie de ponte/passarela que foi construída no quebra-mar e que agora está parcialmente quebrada, o que tira a visão do horizonte e, por ser a praia do hotel, é um pouco cheia.
Caminhando à esquerda há um Malecón que liga à Playa Coco. Essa é de mar aberto, mais tranquila, sendo que a maioria dos frequentadores são os próprios cubanos. De areia fina e água quente é um bom lugar para relaxar observando as gaivotas que voam baixo em sua pesca cotidiana.
Como combinado foram me buscar para irmos à Caleta Buena que fica uns 8 km do centro. Esse lugar tem tipo um resort em que pode pagar 15 CuC para passar o dia e usar as acomodações. Não sei se por causa do horário ou se por algum acordo com os donos do hostal, mas não pagamos nada e entramos tranquilamente.
A grande atração é um cenote, ou seja, um “buraco” entre as rochas que formam uma mistura de piscina natural e aquário gigante. Vale a pena pagar pelo snorqueling para poder ver a imensa quantidade de peixes que há e como eles se agrupam desesperados quando jogam um pedaço de pão na água.
Ao lado fica o que mais gostei: uma formação rochosa faz o quebra-mar e forma um lago de água salgada na temperatura ideal para nadar até seu corpo pedir uma pausa. Como nem gosto de água salgada quentinha perfeita para dar longas braçadas, esse era um pedaço do paraíso para mim.
Em torno das 19h30 iniciamos a volta para o hostal e depois do merecido banho, fomos jantar. Nena, a dona da casa, é uma cozinheira de mão cheia e faz comida para um batalhão. Conversa vai, conversa vem com as coreanas, descobri que uma delas sonhava em ir para o Brasil, pois seu livro favorito na vida é “Meu Pé de Laranja-Lima”. Claro que até eu conseguir entender o nome do livro que ela conhecia em coreano, tentava traduzir para o inglês para que então eu associasse ao que era de fato levou algumas mímicas, tempo e um bocado de sorte.
Depois do jantar, Nena foi minha salvadora da pátria, pois é enfermeira e essa que vos fala parece que foi criada a leite com pera pela avó (mesmo que isso não seja verdade) e estava com os braços cobertos de urticária. Ela identificou que eu estava tendo uma reação alérgica ao sol, perguntou se eu estava tomando algo, disse que fazia 2 dias que tomava Fenergan, mas que não estava melhorando. Ela me deu uma Prednisona e uma cartela de Loratadina que salvou minha pele literalmente.
Dia seguinte voltei à Playa Coco e às 14h fomos em outro cenote com duas italianas que haviam acabado de chegar. Também era bem bonito, mas o mar estava mais agitado por causa de uma tempestade na noite anterior e eram bem menores. Particularmente, prefiro Caleta Buena.
Mais tarde fomos em um manancial que fica perto do início do mangue que se tem por lá onde também é possível nadar. A água fria e quase doce (salobra, para ser justa, pela mistura da nascente e a proximidade do mar) é um alento depois do dia quente em Playa Girón.
A Baía dos Porcos é famosa também por suas áreas de mergulho que além de ser uma das mais bonitas é uma das mais baratas. Me mordi de vontade de fazer, mas com um tempo longo em Cuba pela frente e as conversões de moedas totalmente desfavoráveis (valeu patos-verdes-e-amarelos), meus gastos tinham que ser controlados e isso vai ficar para a próxima visita.
Por fim, toda a questão histórica aliada à um lugar belíssimo e o vilarejo tranquilo mesmo próximo de Havana (3h30) fez com que aquele velho sonho de encontrar um lugar onde eu pudesse ficar e abrir um hostel encontrasse um lugar digno para se concretizar.
Hostal José & Nena
Endereço: Playa Girón, Ciénaga de Zapata, Matanzas, Cuba
Email: ja100967@nauta.cu / jc1997@nauta.cu / yasman.garcia@nauta.cu
www.airbnb.com
…
Leia também:
Primeira Parte: #VaiPraCuba: Diário de Viagem de Shaula Chuery
Segunda Parte: #VaiPraCuba: Chegando em Havana
Terceira Parte: #VaiPraCuba: Habana Vieja e Centro Habana
…