#VaiPraCuba: Chegando em Havana
Segundo texto da série #VaiPraCuba, um diário de viagem de Shaula Chuery que aceitou o desafio da direita brasileira que ama proclamar “Vai Pra Cuba sua Esquerdista” e durante um mês nos enviará suas impressões da Joia do Caribe.
Chegando em Havana
Quando estava pesquisando e, posteriormente, conversando com o dono do hostal descobri que havia duas formas de sair do aeroporto. Podia pegar um táxi que custaria entre 20 e 30 CuC (o dono do Hostal me pegaria por 20 CuC) ou tentar o transporte público. Claro que a “aventureira” aqui dispensou o táxi e foi arriscar o busão. Para sair do Terminal Internacional tem uma linha que liga os três terminais do aeroporto e para na avenida de onde saem os ônibus para a cidade.
Troquei dinheiro no aeroporto e estava me sentindo a última bolacha do pacote por pagar somente 1 CuC pra ir para o Hostal. Estou eu lá esperando com um monte de cubanos e um deles não parava de me olhar pensando “lá vem mais uma turista besta”. Quando vi o ônibus se aproximando entendi o quanto eu havia sido inocente, ele estava absurdamente lotado. O moço que estava me olhando viu a nota de 1 CuC na minha mão e falou que era pra eu guardar a nota que ele ia me ajudar e tirou duas moedas de 1 CuP para pagar a minha passagem e a dele. Pois é, camaradas, o busão custava somente 1 CuP e não 1 CuC.
Ele me ajudou a entrar com a mochila e tudo e contei que iria descer no Terminal 2 para pegar o P-16 até Vedado. Ele me disse que era uma viagem de uns 40 minutos, que era mais fácil pegar um taxi, mas que ia pegar o mesmo ônibus que eu. Novamente, para pagar ele me deu uma nota de 1 CuP e se recusou a aceitar o meu 1 CuC em troca.
André ia descer antes de mim e fomos conversando por uns 30 minutos. Ele demonstrou real preocupação se eu sabia onde estava indo, se o Hostal era confiável e se eu tinha como entrar em contato com eles caso necessário. Como essa não é a primeira vez que recebo esse tipo de ajuda nas minhas viagens não sei se as pessoas que encontro são de fato muito gentis ou se está escrito na minha testa o quanto sou perdida e as pessoas acham que não consigo me virar. O que é uma mentira deslavada. Sou sim muito perdida, mas me viro perfeitamente bem, nem que seja pedindo ajuda à desconhecidos.
Nesta curta conversa que tivemos descobri que André trabalhava na aduana e que por mais que ame seu país e tenha orgulho de ser cubano, tem um pouco de inveja da mobilidade que nós turistas temos em Cuba. Ele, enquanto cubano, não pode simplesmente sair e viajar pelo país sem levantar suspeitas de porquê está fazendo isso e com que dinheiro.
Porém, quando perguntei se ele trocaria essa mobilidade que temos no Brasil por falta de bem-estar social básico como saúde, segurança e educação a resposta foi pronta: “não, eu não trocaria”.
O Hostal
Cheguei no hostal por volta das 16h e fui recebida por Luis, dono do lugar, que logo me contou um pouco sobre sua história e mostrou meu quarto. Ele possui acomodações privativas e um quarto coletivo para 4 pessoas. Fiquei em uma suíte com cama de casal e ar condicionado por módicos 20 CuC a diária. O Hostal fornece toalha de banho, papel higiênico (apesar de todo o pânico causado pela lenda da falta deste item na ilha) e sabonete. Luis, sua filha Nataly e seu sobrinho que ajudam a cuidar do lugar são muito prestativos e te ajudam no que for necessário.
O Hostal fica em Vedado, perto da Praça da Revolução, do Hotel Nacional e do começo do Malecón. O bairro é cheiro de restaurantes e algumas casas noturnas, mas fica um pouco longe de Habana Vieja e suas principais atrações.
Nisto, há vantagens e desvantagens. Se gosta de caminhar, ir atravessando todo o Malecón à beira-mar é delicioso e, também, se for de Vedado à Habana Vieja cortando pelas ruas no interior da cidade, sairá dos pontos turísticos e verá um pouco das pessoas em suas vidas cotidianas, assim este é um bom lugar para se hospedar. Porém, se o tempo for curto ou a preguiça grande, é melhor ficar em Habana Vieja ou Centro Habana.
O Hotel Nacional e a Crise dos Mísseis
Como sou ansiosa, deixei minhas coisas e sai para dar uma volta na cidade. Primeiro tentei comprar a tarjeta de internet, sem sucesso. Então, fui caminhando até o Hotel Nacional para poder aproveitar o longo dia cubano (como é verão, está começando a anoitecer por volta das 19h40).
Se tiver dinheiro para se hospedar neste lindo hotel pela bagatela de, no mínimo, USD 250, aproveite. Caso isso não esteja dentro do seu orçamento, não se preocupe, pois o lobby e os jardins são de livre acesso.
Aliás, o jardim é um lugar delicioso para passar a tarde e ver o cair do sol tomando um mojito.
O Hotel Nacional é um dos lugares mais emblemáticos de Havana por muitas razões, entre elas sua linda arquitetura, por ter sido onde Fulgêncio Batista efetivou o Golpe de Estado, por Frank Sinatra ter feito um show para encobrir um encontro da Máfia americana e por ter sido de onde Fidel Castro gerenciou a Crise dos Mísseis, esse que é um dos períodos mais complicados e interessantes da Guerra Fria.
Resumindo, quando Fidel, Che e companhia depuseram Fulgêncio Batista, a Revolução não era socialista no sentido politicamente clássico do termo. Era uma revolta contra os desmandos de um déspota, em busca de interdependência (para além do passado colonial, desde a Guerra Hispano-Americana Cuba estava sob o domínio estadunidense, primeiro enquanto “protetorado” e, posteriormente, através da inegável influencia política), soberania nacional e por condições de vida dignas ao seu povo.
Foi o bloqueio que os EUA impuseram a Cuba logo nos primeiros anos da Revolução que fez com que Fidel olhasse para outros horizontes e isso o levou à URSS. Afinal, nada mais tentador que ter como aliado um país literalmente no quintal dos EUA em plena disputa por hegemonia mundial.
Por tanto o quadro é: o povo tira Batista do poder; os EUA começam um bloqueio contra Cuba afetando a exportação de açúcar e a obtenção de petróleo; URSS oferece uma parceria em que compraria o açúcar cubano e lhe venderia petróleo; os EUA iniciam uma sucessão de ataques terroristas como a invasão de espaço aéreo, queima de grandes extensões de plantações, contaminação da criação de porcos com a gripe suína, que prejudica a industria da maior fonte proteica da população cubana; é orquestrada o episódio da Baía dos Porcos em um teatro de contrarrevolução interna com a vitória cubana firmando a Revolução; URSS (muito gentilmente, é claro) oferece para instalar uma base em Havana em nome da proteção da soberania cubana e isso dá início ao período da história em que mais nos aproximamos de uma guerra nuclear de destruição mutua.
Era óbvio que os EUA não ficariam contentes com uma ameaça tão direta ao seu território quanto mísseis de longo alcance em Cuba. Depois de muita tensão e uma extraordinária ação do corpo diplomático de todos os envolvidos, a URSS não concluiu a instalação da base (apesar de não ter “levado de volta” os mísseis), foi feito um pacto de não agressão à Cuba e os EUA entenderam um pouco que era melhor não bater tanto no vizinho mais fraco que ele tinha amigos tão poderosos quanto o próprio Tio Sam.
Leia Primeira Parte da série #VaiPraCuba: Diário de Viagem de Shaula Chuery
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