A mistura do Brasil com o Egito
Das coisas para se entender é que o Deserto do Saara não é apenas um Deserto específico, são muitos. O Saara é uma macrorregião ao norte do continente africano que corta 11 países e possui uma área maior que países como o Brasil e a Austrália. O Black and White Desert é um desses muitos “micro desertos” contido na imensidão do Saara. É nele que se encontram alguns dos oásis egípcios como o de Baharyia ( pelo qual passei) e Siwa.
Para aproveitar bem partimos cedo do Cairo para irmos até Baharyia Oásis que fica à 365 km da cidade. É neste lugar que tem uma Cold Spring, ou seja, um tanque cheio de água retirada de um poço. Para nós, brasileiros, isso não é absolutamente nada demais, mas água jorrando ao ponto de fazer uma piscina é um feito considerável em meio ao deserto.
O oásis em si não achei grande coisa, não corresponde aos loucos sonhos hollywoodianos de frutas frescas e abanadores, mas sim à pequenas cidades do interior nos dias de calor que sobrevive da pequena agricultura em meio à poeira. Ainda assim, é um oásis de água do poço é pequena agricultura.
A partir deste ponto seguimos de fato deserto à dentro. A primeira parada é no Black Desert que são formações montanhosas cobertas de pequenas pedras negras de basalto que dão um clima surreal para o entorno. Seguindo, paramos na Cristal Mountain, um aglomerado de pequenos cristais que formam uma curiosa pedra em forma de camelo.
Conforme adentramos o deserto a paisagem vai mudando até chegar naquele sonho de consumo de dunas de areia. A subida por onde chegamos é pequena, mas ao chegar ao topo e ter a visão do alto se entende a imensidão. Para nossa felicidade o guia tinha duas pranchas de skyboard, então é óbvio que fizemos skybunda e com isso eu eliminei mais um trauma de infância (história envolvendo canteiro de terra, a mania de querer fazer as coisas, um empurrão mal dado e do joelho ao dedão do pé ralado no muro de chapisco). Nesse ponto a questão é: fazer skybunda na duna é fácil, o difícil é subir de volta com a prancha.
Passadas as dunas entramos em mais um território, este coberto por diversos montículos de pedras incrivelmente brancas pontuando a areia escaldante. É neste cenário que encontramos algo recorrente em todo o mundo é nem por isso menos belo: pedras moldadas pelas intempéries do tempo tomando as mais distintas formas, desde animais até impossibilidades gravitacionais de imensos topos sobre fina base.
Com à noite se aproximando é hora de montar acampamento, o que o guia se encarregou com uma velocidade incrível e já iniciou o preparo do jantar que era basicamente um cassoulet de legumes, frango assado no braseiro e arroz à moda beduína, tudo muito bom por sinal.
Chegamos no lugar que acamparíamos pouco tempo antes do pôr-dó-sol e esse fenômeno natural que persigo com tanto afinco torna todo o White Desert em um alaranjado brilhante dos reflexos das pedras de cal. Mas é da noite que quero contar. Perdidos no meio do deserto a Via Láctea se desenha no céu e as estrelas se tornam um espetáculo à parte.
Porquê é a noite que mais me interessava e angustiava? Eu, enquanto Shaula, sou detentora deste nome que sempre suscita estranheza e questionamentos. Geralmente só digo que é um nome libanês e pronto. Porém à quem merece conto a história que Shaula é, de fato, libanês e também o nome de uma estrela. Essa estrela é, literalmente, o ferrão da constelação de Escorpião. E sempre complemento: essa constelação é mais visível na região do Oriente Médio.
E pela primeira vez eu à vi! Imensa, girando ao redor da lua conforme as horas passavam. Lá estava eu encarando o céu como quem mira-se no espelho, buscando algo naquela versão extinta de mim, me enxergando no passado. Pode parecer algo pequeno e meramente simbólico, mas por algumas horas lá estava eu cumprindo um ritual de discurso ancestral. Sob a proteção desta e de todas as outras milhões de estrelas adormeci em campo aberto me sentindo protegida e acolhida, mergulhada em um sentimento de pertencimento que poucas vezes senti durante a minha vida.