Sobre a censura à imprensa na Arábia Saudita… e nós.
Em pouco mais de um mês com Bolsonaro e Mourão presidindo o país, o Brasil viu mais reviravoltas do que consegue contar. No meio desse caos a única coisa que se pode ter certeza é que estamos vendo o prelúdio de um governo fundamentalista, brutalmente autoritário e que não apenas insulta e desmerece a imprensa, mas também a ameaça. Após o degradante tratamento dado a diversos jornalistas na cerimônia de posse de Bolsonaro, enquanto outras figuras midiáticas apoiadores do candidato tiveram prioridade, é notável que o ataque não se limita às redes sociais, mas diretamente à integridade física dos jornalistas.
É importante lembrar que esta onda conservadora autoritária é um fenômeno que atualmente ocorre em diversos lugares do mundo: Xi Jinping na China, Viktor Orban na Hungria, Rodrigo Duterte nas Filipinas e, obviamente, Donald Trump, só pra citar alguns.
Mesmo que o ídolo de Bolsonaro, Donald Trump, não tenha chegado a tal extremo – limitando seus ataques à imprensa chamando quem o critica de “fake news” e banindo um repórter da CNN na Casa Branca no final do ano passado – recentemente ele defendeu o príncipe da Arábia Saudita Mohammad bin Salman, acusado de mandar ASSASSINAR o jornalista do Washington Post e crítico do governo saudita Jamal Khashoggi. Um dos motivos para Trump ignorar uma acusação tão grave é simples: A Arábia Saudita é um dos maiores importadores de armamento militar norte-americano.
O texto abaixo é a tradução de uma thread publicada no twitter há um mês, dia 2 de janeiro, pelo roteirista e produtor Kirk Rudell. Ele é roteirista de cartoons e sitcoms norte-americanas, a maioria desconhecida por aqui e pouco relevante. Não fosse meu interesse pela escrita de comédia e humor, essa história jamais teria aparecido em minha linha do tempo do twitter, por isso decidi traduzi-la e divulgá-la. Lembrando, não estamos sozinhos na luta contra o fascismo.
Segue:
Por @krudell
Alguns anos atrás, quando eu escrevia para o ‘American Dad!’, eu precisava de alguém que falasse árabe para um pequeno papel. Nosso diretor de casting recomendou um comediante saudita que por acaso estava em Los Angeles por alguns meses gravando um programa. Seu nome é Fahad Albutairi.
Eu o vi com respeito. Ele era o primeiro comediante stand-up a aparecer nos palcos oficialmente no Reino Árabe, o “Jerry Seinfeld da Arábia saudita.” Ele tinha alguns milhões de seguidores no Twitter (ele não tem nenhum agora; vou chegar lá). Ele era, francamente, mais interessante que o papel.
No dia da gravação, eu entrei no estúdio pra encontrar Fahad e dirigir sua sessão – eram apenas algumas falas; eu disse oi, repassei algumas vezes, e fomos embora. Fahad estava com uma mulher, a quem me apresentou como sua esposa, @LoujainHathloul.
Loujain não conhecia ninguém em LA, então ela estava colada com Fahad por todo o dia. Eles eram jovens, legais, cosmopolitas e incrivelmente gentis. Eu gostei deles na hora. Conversamos.
Perguntei a Fahad sobre ser um comediante saudita – sobre fazer algo que não existia antes em seu país. Recentemente tive um almoço com Trevor Noah pra falar sobre um projeto e parecia que ele vinha de uma situação parecida, crescendo sem ouvir outros stand-ups e estranho às referências padrões. Então Trevor teve que criar sua própria. Fahad estava fascinado. Sim, ele teve uma experiência similar. Mas sua voz também era moldada pelo fato de que fazer comédia no Reino Árabe era… perigoso.
Então mergulhamos em política
Eu mencionei o jovem, “progressista” Príncipe Mohammed bin Salman. Toda a imprensa nos EU parecia bastante positiva com o cara. Ele estava encontrando pessoas em Hollywood e no Silicon Valley. Eles estavam se sentindo otimistas com o futuro da Arábia Saudita?
Eles estavam esperançosos, mas avisaram que ainda havia um longo caminho em termos de direitos humanos. O que motivou a saída deles dos Emirados Árabes. “Hum. Ao menos você está a salvo,” eu disse. Com milhões de fãs, ele tem um perfil muito alto para arrumarem algum problema com ele. Olhei para Loujain. “E a fama dele cobre vocês dois, certo?”
Eles olharam um para o outro. “Ela é tão mais famosa que eu no Oriente Médio,” ele disse. Então percebi quem era ela… uma das ativistas dos direitos das mulheres que foram presas por dirigir.
Eu me senti um idiota. Eu imaginei que ela era uma assistente quando, na verdade, nos seus 20 anos ela já tinha feito mais pelos direitos humanos do que jamais farei.
Nós conversamos sobre suas prisões. Tudo ficou mais grave quando, logo após o casamento deles, ela foi capturada novamente e “desapareceu” por alguns dias. Eles sentiram que de alguma forma eram protegidos pela fama, mas ainda assim… o Reino Árabe não era seguro.
Eles eram uma janela para um mundo que eu conhecia apenas através de pequenos artigos da Times, e eu pude conversar com eles por toda a tarde, mas nós tivemos que gravar e seguir com nossas coisas.
Nós trocamos contatos, Fizemos planos para jantar enquanto eles estivessem na cidade.
Não fomos. Trabalho/ vida/ família. Mas conversamos ocasionalmente pelos anos seguintes. Loujain estava tentando abrir uma agência de talento para atores, comediantes e músicos no Oriente Médio; Eu dei feedbacks a ela sobre seu website.
Bom dia Kirk (Boa noite no horário de Dubai)! Como você vai? Como o EU está indo depois das eleições? Aliás Kirk, eu acabei de fundar uma agência/assessoria de talentos árabe para conectar os dois mundos – o leste e o oeste – com talentos árabes em seis diferentes categorias. Eu adoraria que você pudesse dar uma olhada e me dizer o que você acha… Feedbacks me ajudam a crescer.
Fahad e eu mandamos contatos um para outro sobre trabalhos que estávamos fazendo… tentando fazer o abismo entre nossos mundo um pouco menor.
Em 2017 eu li que Loujain foi presa e eu procurei Fahad para ver se ela estava bem. Ele respondeu que EUA já havia sido liberada. Havia sido assustador mas estava tudo bem. E então, primavera passada, os dois foram pegos, vendados e levados para a Arábia Saudita.
Enquanto o amiguinho de Jared Kushner, Mohammed bin Salman planejava assassinar Khashoggi, ele também estava apreendendo muitos outros, incluindo Fahad e Loujain. Eles eram apenas pessoas jovens e criativas tentando fazer suas coisas.
Nove meses depois, Loujain ainda está presa. E não sei onde Fahad está. Ele desativou sua conta no Twitter. Li que eles não estão mais casados.
Eu gostaria de ver o que eles fariam nesse mundo se lhe dessem a chance.
Eu gostaria que o governo do meu país não recebesse pagamentos para olhar para o outro lado enquanto atrocidades com os direitos humanos acontecem.
Eu gostaria de jantar com eles um dia.
Eu iria amar aquele jantar com você e sua esposa na próxima vez que estivermos no EU. E por favor, nos deixe saber quando você planejar visitar Dubai, seremos seus guias de turismo privados
Aparentemente o pai de Loujain’s teve sua conta Twitter suspensa semana passada depois de ter tuitado sobre a tortura que ela sofreu na prisão do governo saudita. A historia abaixo é horrível. Algum comentário do @TwitterSupport?
Twitter Suspends Account of Loujain Hathloul’s Father After Tweeting About Her Torture and Sexual Abuse
( A Thread original pode ser conferida neste link)
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Dia 13 de janeiro o governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, censurou uma performance artística ordenando o fechamento da exposição em que ela aconteceria.
Dia 18, a Revista Forum recebeu a notificação de que está sendo processada pelo presidente.
E amanhã?