Nasce mais um (não) coletivo.
 
Composto por não-artistas com um não-manifesto, produzindo não-obras-de-arte em um não-lugar.
 
É bastante negatividade para tão poucas linhas, mas cada um desses nãos se justifica. Ou não.
 
Não-manifesto porque já não é mais tempo para manifestos. Manifestos pressupõem a confiança de que algo possa ser feito, de que ainda há algum lugar, alguma direção para onde possamos ir. Ao contrário, temos a confiança de que nosso tempo é pequeno, tanto do ponto de vista cronológico quanto do social. Estamos a caminho de nada. Não somos um grupo de vanguarda. Também já não é tempo para vanguardas. Não somos o futuro da produção artística, porque não há futuro. Nosso tempo não nos pertence, nem nosso corpo, tudo está alugado ou vendido. Estamos correndo na direção contrária a dos juros, nosso castigo será a correção monetária.
 
Não temos as respostas. Em todo caso, outras tentativas de achar uma resposta não deram certo até agora. Só possuímos o agora. Mas temos muitas perguntas. Perguntas, que claro, podem ocasionalmente nos levar por  caminhos estranhos, a lugar nenhum, partindo de um não lugar.
 
Não-lugar, apesar de não existir, é polissêmico.
 
Somos autores que vieram das classes subterrâneas, que de algum modo se apropriaram do aparato cultural filtrado pela elite, ouvimos todas suas promessas de liberdade, mas “o mundo de possibilidades” jamais se realizou. Todas as promessas nos foram negadas. Quando chegou a hora de recebermos o nosso quinhão, só encontramos migalhas. Porém, já não podemos voltar atrás, não com tão pouco. Nesse sentido, estamos presos numa encruzilhada, que liga lugar algum a nenhum lugar, cheios de travessias não realizadas e, por isso, não-artistas. Não temos tempo e nem espaços para existir. Somos promessas que nunca serão cumpridas.
 
Por outro lado, não-lugar pode ser pensando tanto como a impossibilidade de habitar o mundo presente que, dominado pelo impessoal e massificante, se precipita na falta de sentido, como num sentido geográfico: habitar a megalópole, que a medida que cresce, ao invés de inventar caminhos, cria barreiras – enfim, lugares que se auto-asfixiam.
 
Mas então, onde habitar? Talvez seja melhor criar uma outra dimensão. O não-lugar oferece mais possibilidades de habitar que os próprios “lugares” existentes. O não-lugar quer compartilhar experimentos, percepções, queremos colaborar uns com outros, criando pontes, elevadores, escadas de incêndio e playgrounds onde nossa loucura possa brincar a vontade. Não sabemos onde nossos passos nos levarão. Somos leitores da nossa própria história no mesmo momento em que a criamos. O mundo é um artefato alienígena para nós. A realidade está tentando nos abduzir.
 
Nos matam a cada dia. E só nos sobra a letra, a palavra, que esperamos não ser morta. Traços do que somos, rascunhos de outra vida, o não-lugar é a tentativa de animar os rabiscos de que somos feitos, mas com a consciência do atropelo, de ter acordado sem memória no meio de uma autoestrada, sem saber onde é o norte e o sul. O não-lugar é essa tentativa de escolher uma dentre tantas pistas e torcer pra não ser pego por um caminhão em alta velocidade.